domingo, 9 de dezembro de 2012

Privatização da RTP - argumentos contra e argumentos a favor

http://www.publico.pt/politica/noticia/governo-quer-privatizar-49-do-grupo-rtp-1575935


Quanto à difícil problematização da questão da privatização de um canal público (caso da RTP), temos, em Portugal, diferentes opiniões, tendo como principais argumentos (tanto a favor, como contra), a utilidade da televisão pública, o mercado de publicidade e os encargos para o Estado.
Começando por diversas opiniões a favor da privatização:
- O nosso actual Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, sempre defendeu a privatização da RTP, defendendo «Despartidarizar, desgovernamentizar e desestatizar». Destaca que o Estado deve sair dos negócios e ser reduzido o poder interventivo do Governo na esfera pública.
- o controlo da informação da RTP pelos sucessivos governos foi uma das razões para adiar a sua privatização (basta lembrar o inicio da RTP ligado à ditadura).

- outro argumento, bastante válido, é o facto de a RTP ter transmitido 37 novelas latino-americanas nas últimas duas décadas (esquecendo a valorização do produto nacional, um dos pressupostos da televisão pública), juntamente com um outro ponto relativo aos custos, cerca de 300 milhões de euros por ano, quase 1 milhão por dia.
- tendo em conta o anteriormente referido, é necessária uma maior aposta na produção de conteúdos, evitando programas de fluxo. Apostar em documentários, ficção histórica e literária, ficção de temas actuais, reportagem em profundidade, música popular e erudita, cinema, programas com ligação à sociedade civil, e conteúdos de interesse para a cidadania e para as minorias. 
- outra proposta é a de Eduardo Cintra Torres, que consiste na fusão da RTP1 e RTP2, reduzindo para um quarto os efectivos actuais da estação pública. Defende também a eliminação da RTPi, RTP memória, RTP Açores e da RTP África (em fusão com a RTP internacional). 
- outra questão é feita pelo político do PSD, Pacheco Pereira, perguntando se a RTP garante informação isenta. Este senhor é um dos mais acérrimo defensores da privatização da RTP, defendendo há mais de 10 anos, que o serviço público se deve extinguir totalmente: «A comunicação social não deve ser propriedade do Estado; isto, para mim, é que é ser verdadeiramente liberal». Pacheco Pereira, acusou diversas vezes a informação da RTP a servilismo ao Sr. Eng. José Sócrates.
- Vasco Graça Moura também é muito duro para com a RTP, defendendo que não cumpre o seu papel porque entrou em disputa com os canais privados, e nivelou para baixo os conteúdos com programas absurdos que só servem para gastar dinheiro.
- A Antena1 é do Estado Português. Assim como os canais internacionais do grupo RTP, deviam prestar serviço na promoção da língua portuguesa e na aproximação dos países lusófonos. Insultar variadíssimas vezes chefes de Estado de países lusófonos não se enquadra na definição de serviço público. Não se discute a liberdade de imprensa, discute-se apenas a utilidade da Antena1.

Alguns argumentos contra a privatização da RTP
- em 2003, a RTP reduziu o prejuízo em quase 200 milhões de euros, através da diminuição de centenas de trabalhadores por mútuo acordo, do aumento de receitas de publicidade e da venda de sociedades participadas. em 2004, o prejuízo foi reduzido em 81,7%. Ponce Leão, vice-presidente na altura, destacava a partilha de recursos entre a televisão e a rádio como uma das causas de maior eficiência. em 2007, após abandonar a administração do canal, anunciou tempos difíceis e alertou que o canal deveria reduzir cerca de 5 a 6 milhões de euros no futebol e 2 a 3 na informação. O sentido de redução de prejuízos manteve-se: em 2009 os prejuízos voltaram a reduzir para metade e em 2010 chegou mesmo a atingir o lucro, pela primeira vez em 20 anos. 
- outro argumento é, segundo Pinto Balsemão e Miguel Pais do Amaral (presidente não executivo da Media Capital, detentora da TVI), o facto de a privatização do canal ser prejudicial para os outros canais de sinal aberto. O fundador do PSD e presidente do grupo Impresa, defende que o mercado não tem condições para receber mais um canal privado, devido à queda da publicidade nos últimos anos. Miguel Pais do Amaral, considera a venda do canal precipitada «a privatização da RTP não resolve o problema do défice». Considera que o governo não fez um estudo sobre o impacto da privatização da RTP no sector dos media e da publicidade, nem um estudo comparativo com outros países. Avisa que a sua privatização diminuirá os orçamentos das restantes televisões de sinal aberto e a qualidade dos conteúdos emitidos, admitindo também que «a abertura do mercado de televisão irá acelerar a morte dos jornais e irá apressar a liquidação das rádios».
Também o antigo director de programas e informação da RTP, José Eduardo Moniz, se opõe à privatização, considerando-a imobilista, argumentando que a subvenção que será paga aos privados é algo que o governo já faz à RTP.
- O CDS, PS, PCP e BE também são contra a privatização. O líder do CDS-PP e João Almeida defendem que não é o caminho certo, defendendo assim o Ministro dos Negócios Estrangeiros a manutenção de uma televisão pública forte, tendo como finalidade a defesa da língua portuguesa e política externa cultural de Portugal. O deputado, apesar de não concordar com o modelo actual, acha que a privatização não é a solução.
A posição do Partido Socialista também é claramente contra a privatização, recordando Inês Medeiros, que na Europa há um absoluto consenso no que diz respeito à utilidade do serviço público e defende que se deve trabalhar no sentido de melhorar o seu financiamento e não por-lhe fim.


- Um dos principais opositores à privatização da RTP e que mais argumentos tem apresentado, é Alberto Arons de Carvalho, vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Para começar, considera que o modelo de concessão anunciado para a RTP é inconstitucional. E porquê? Salienta que a CRP impõe que o serviço público seja assegurado pelo Estado, tendo em conta o artigo 38º, nº5, em que «o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão». Na sua opinião trata-se de um modelo assustador porque põe em causa a soberania nacional, defendendo que a posse de um canal por parte do Estado é a única garantia de que há uma televisão portuguesa. Para além disso, o fim da RTP2 e a concessão da RTP1 prejudicarão a qualidade e a diversidade dos conteúdos, na opinião do antigo Professor Universitário. Para Arons de Carvalho, estamos perante uma situação insólita na Europa, acrescentando que nem na Grécia se coloca a possibilidade de privatizar a comunicação social pública. Sustenta ainda que é um modelo que «não permite poupança significativa, uma vez que os portugueses vão continuar a pagar a contribuição audiovisual».
Arons de Carvalho dá 10 argumentos para não se proceder à privatização da RTP:

  •               custo - Os diversos canais generalistas e temáticos de televisão e de rádio da RTP custam hoje cerca de 230 milhões de euros por ano, ou seja cerca de 2 euros por habitante por mês. Em valores absolutos, a RTP é um dos operadores públicos europeus mais baratos. Se usarmos outro critério, a percentagem do PIB nacional, a RTP tem um custo de 0,13%, 23% menos do que a média europeia. Relembre-se também que os canais de rádio da RTP não emitem publicidade comercial e os de televisão, ou têm publicidade limitada (RTP1 tem metade da publicidade dos operadores comerciais) ou, caso da RTP2, não a emite de todo.
  •  A diversidade da programação - Quer opte por uma programação dirigida preferencialmente para o grande público, modelo actual da RTP1, quer se dirija preferencialmente aos públicos minoritários, como acontece com a RTP2, o novo canal televisivo único da RTP ofereceria um leque bem menos diversificado do que aquele que tem sido proporcionado pelos dois canais da RTP, certamente com sacrifício de muitos conteúdos importantes para os espectadores. O novo canal não serviria satisfatoriamente nem as grandes audiências, nem os públicos minoritários: jovens e crianças, minorias religiosas e étnicas, públicos com necessidades especiais, adeptos de desportos amadores, amantes de programação mais erudita, etc. veriam programas que actualmente têm à disposição ser transferidos para horários com menos audiência ou mesmo retirados do ecrã.
  •    A qualidade da programação - Não é fácil definir em que consiste uma programação de qualidade, questão que ocupa um lugar central nos debates sobre o serviço público. Há quem defina a qualidade através de uma relação entre conjuntos de características de um programa e um conjunto de valores de avaliação. Outros concretizam algumas prioridades, a importância de uma ética de antena e de meios financeiros no operador público e a diferenciação face à oferta dos operadores comerciais. Sejam quais forem os critérios de avaliação, importa reter que a submissão da programação a critérios comerciais – mais audiência e sobretudo mais audiência com interesse para os anunciantes – limita a indispensável prioridade a conferir a critérios de qualidade, conceito inseparável da definição de serviço público.
  • A garantia da soberania nacional - Num quadro crescentemente ocupado por empresas multinacionais e players das telecomunicações, a existência de um influente operador de capitais públicos constitui a única garantia de existência de uma empresa nacional. Em muitos países, particularmente no leste europeu, o panorama audiovisual está dominado por multinacionais estrangeiras. Em Portugal, no sector da comunicação social, tem crescido a presença de empresas não nacionais, cuja origem permanece obscura e cujo objectivo principal parece ser, bem mais do que ter lucros no sector dos media, ganhar influência política no país…. Para além de um importante factor de soberania nacional, um influente operador público pode e deve ter um proeminente papel na promoção da língua e da cultura portuguesa.
  •   Os exemplos dos operadores públicos de televisão na Europa - A ideia de privatizar o operador de serviço público ou mesmo um canal do operador público de televisão é absolutamente insólita na Europa. Mesmo na Grécia ou na Irlanda, cuja situação económica e financeira foi, ou ainda é, crítica, a privatização de um canal da televisão pública está completamente fora de questão e não foi proposta por ninguém. O único exemplo na Europa, desde o início da televisão, é o da TF1, canal francês privatizado em 1987, ficando então o operador público francês ainda com dois canais generalistas. Pelo contrário, tem aumentado substancialmente o número de canais dos operadores públicos, com a criação de inúmeros canais temáticos. De acordo com os dados de 2011 do Observatório Europeu do Audiovisual, e excluindo os canais temáticos, apenas a Albânia e a Bulgária tinham 1 canal público na rede hertziana terrestre. Todos os outros países europeus dispõem, com acesso universal, de operadores públicos com dois (Estónia, Croácia, Lituânia, Letónia, Malta e Roménia) ou mais canais.

  •    O desrespeito dos documentos das instâncias europeias subscritas pelo Estado português - Desde há muito que o serviço público de televisão é objecto de deliberações das diversas instâncias europeias, expressando um vasto consenso das diversas famílias políticas do Velho Continente. Provavelmente, a mais adequada ao debate em curso em Portugal é a Comunicação da Comissão Europeia n.º 2009/C 257/01 que reproduz as conclusões da resolução do Conselho de 25 de Janeiro de 1999, onde se estabelece que «um amplo acesso do público, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, a várias categorias de canais e serviços constitui uma pré-condição necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço público de radiodifusão». Estes constituem apenas dois pequenos exemplos dos inúmeros documentos emanados da União Europeia, do Conselho da Europa e do Parlamento Europeus que definem o quadro geral da oferta dos operadores públicos existentes em todos os países do continente.

  •      As consequências para o sector da comunicação social - De acordo com dados relativos ao mercado publicitário, os valores relativos a 2011 indiciam uma assinalável quebra no mercado publicitário, na sequência de outras quebras em anos anteriores, reconduzindo os montantes de receitas publicitárias na comunicação social a números bem inferiores aos do início deste século: em 2001, os três operadores de televisão somaram 340 milhões de receitas publicitárias, mas em 2011, esse valor baixou para cerca de 299 milhões. No conjunto dos meios de comunicação social, a quebra não foi menos significativa: 710 milhões em 2001, 617 milhões em 2011! Esta diminuição das receitas tem provocado acrescidas dificuldades às empresas de comunicação social, com inevitáveis consequências nos conteúdos oferecidos. A privatização de um canal da RTP ou a sua concessão a uma empresa privada, que certamente procuraria maximizar as receitas publicitárias, introduzindo um novo e agressivo operador num mercado mais limitado, teria inevitáveis consequências na qualidade dos programas emitidos. Por outro lado, a inevitável baixa do preço da publicidade televisiva arrastaria quebras semelhantes nos mercados da rádio e da imprensa. Não se trata apenas de cuidar da saúde financeira das empresas do sector. Empresas de comunicação social em crise não garantem o direito dos cidadãos a conteúdos de qualidade e ficam mais vulneráveis a intromissões dos poderes político e económico.

  •   As consequências para a indústria audiovisual - A RTP tem sido, desde há muito, o principal dinamizador da indústria audiovisual. O recurso a produtores externos, a maior diversidade da programação, o facto de ter um maior número de canais coloca o operador público numa posição privilegiada como dinamizador da indústria audiovisual e motor do desenvolvimento de inúmeras empresas de produção. O enfraquecimento do operador público traduzir-se-ia no agudizar de uma crise já visível na indústria audiovisual portuguesa.

  •    A ausência de consenso na sociedade portuguesa - Em 2008, o Presidente da República, em duas mensagens que dirigiu à Assembleia da República a propósito dos vetos às propostas de lei sobre o pluralismo e não concentração, sublinhou a importância que atribuía “a uma prática política e legislativa que procure amplos consensos parlamentares nas matérias que dizem respeito à liberdade de informação” e, referindo-se à exigência constitucional de 2/3 dos deputados para a aprovação da lei respeitante à ERC, que tal implicaria necessariamente que “as matérias atinentes à liberdade de informação devam politicamente ser objecto de um consenso interpartidário e plural”. De facto, diversas forças políticas e destacadas personalidades de todos os quadrantes políticos e ideológicos manifestaram-se já contra a anunciada privatização da RTP, que não figurava no programa eleitoral do CDS/PP, partido que, com maior ou menor discrição, se tem distanciado de tal medida.
  •    A violação do quadro constitucional do serviço público de televisão - O serviço público não pode ser exercido por empresas cujo capital seja total ou maioritariamente privado, mesmo que através de uma concessão. No seu artigo 38.º, nºs 5 e 6, a Constituição prevê a existência de um sector público da comunicação social. Acresce que no artigo 82º, n.º 2 se estipula que “o sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas”, o que torna inconstitucional a sua concessão a entidades privadas.

A este último ponto vai responder Raquel Alexandra, membro da ERC, na qualidade de constitucionalista, defendendo que a CRP não impõe que o serviço público de televisão seja garantido por uma empresa pública, pois se não exige que a propriedade seja pública, também não exige que a gestão seja pública. Critica Arons de Carvalho, pois considerar inconstitucional passar a concessão da RTP1 para um operador privado é uma visão conservadora da CRP.
Analisando a notícia que referi no inicio do post, cabe analisar: O modelo de privatização parcial é o que oferece menos dúvidas constitucionais. Em ambos, a RTP2 mantém-se.
O modelo de concessão da RTP a um privado ou a venda parcial do capital da estação pública de rádio e televisão são, neste momento, os cenários em discussão no Governo. Ao que se tem apurado, em ambos os casos, a manutenção da RTP2 não estará nunca em causa.
Quando está em causa o cenário recentemente conhecido, a dita venda de até 49% a um privado, a possível inconstitucionalidade oferece menos dúvidas, pois o Estado manteria uma posição maioritária. Para Jorge Miranda, os modelos de privatização total e concessão a um privado são ilegais, mas o da venda parcial é o que oferece menos dúvidas, na medida em que a participação maioritária se mantém no Estado.
Tiago Duarte, por sua vez, admite que nenhum destes modelos põe em causa o artigo 38º nº5 da CRP, afirmando que «o Estado pode exercer o que determina a CRP, gerindo esse canal, pode vender canais e contratar um empresa que cumpra as obrigações que fiquem contratualizadas ou pode optar por uma solução mista, em que o Estado é dono, mas a gestão é entregue a uma empresa privada».
O processo de discussão em torno deste tema já conheceu vários cenários e diferentes protagonistas. 
Como conclusão, deste tema podemos retirar que a privatização da televisão pública, é uma prova da vontade do Governo de reformar o Estado que temos, e o estado das coisas que nos trouxe até aqui.
Será que é necessário garantir a informação pública? Aceitar este argumento seria aceitar que os canais privados não fazem informação com respeito pelos princípios jornalisticos, éticos e deontológicos, e que a virtude está apenas na informação da RTP. Não acredito nisso.
Ninguém contesta hoje a importância de abertura da comunicação social aos privados, sendo mesmo duvidoso que possa haver democracia sem grupos de comunicação social privados. Mas a abertura da comunicação social a privados não significa a privatização total da mesma, nem implica abdicar de um canal público de televisão. É essa a regra que vigora nas democracias europeias, onde prevalece o modelo de dois canais públicos.

                                                                                                                 Mariana Serra, nº22024



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